Hoje, Dia Mundial do Ambiente, deitamos um olhar aos acontecimentos intensos da última semana na área do clima e que, de alguma forma, abalaram o mundo mas uniram países, líderes, empresas e personalidades à volta do combate às alterações climáticas.
Ainda antes do tão esperado anúncio de Donald Trump, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, deixou um aviso global em nome do planeta. Prevendo já a decisão de saída dos EUA do Acordo de Paris, e num discurso na Escola de Negócios da Universidade Stern, em Nova Iorque, o Secretário Geral pediu maior ambição para cumprir os compromissos da COP de Paris que considerou “um momento chave para a história da humanidade”. António Guterres referiu que “o comboio da sustentabilidade já partiu”, é preciso subir a bordo e os que ficarem para trás e não se empenharem na economia verde terão um futuro cinzento pela frente. Guterres considera que os que viajarem vão fazer a diferença e estabelecer um padrão para a liderança económica. Alertou ainda para eventuais desistências que serão normais numa “família” de 195 países mas que os que ficam poderão dar vida ao Acordo de Paris. Tendo como foco os Estados Unidos disse que mesmo que houvesse uma desistência o importante será que a sociedade Americana, através dos seus Estados, cidades, empresas e negócios permaneçam envolvidos no processo e tenham presente que os negócios verdes são bons negócios e são oportunidades.
Guterres reafirmou os perigos das alterações climáticas alertando que se algum governo duvidasse da vontade e necessidade do Acordo de Paris esta seria uma razão para uma maior união. E assim foi!
Ainda estávamos a ouvir as palavras do Secretário-Geral das Nações Unidas, quando um furacão varreu o mundo. Na memória dos americanos ainda estará o Ike, o Katrina ou o Sandy mas têm já de lidar com uma nova tempestade – o “furacão” Trump. O maior problema deste perigoso furacão é que não atinge apenas a costa americana mas sim as zonas costeiras em todo o mundo, em particular, as zonas de países menos desenvolvidos e em desenvolvimento ou os países ilha que se debatem com a subida do nível do mar ameaçando a sobrevivência dos que lá vivem. Este furacão pode, na verdade, ser o mais perigoso de todos os tempos e é por isso que o empenhamento e a união são necessários.
“TRUMPALHADAS”
Na passada quinta-feira o presidente dos EUA fez uma declaração em que afirma que foi eleito para proteger a América e os seus cidadãos e que é seu dever abandonar o Acordo de Paris. “Vamos ver se conseguimos renegociar um Acordo justo e se conseguirmos ótimo, se não conseguirmos também está bem”
Relembremos o que é o Acordo de Paris, que nasceu em 2015, e cujo principal objetivo é limitar o alcance das alterações climáticas já em curso, mantendo um aumento da temperatura global neste século bem abaixo de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Para que tal aconteça são necessárias mudanças profundas, económicas, sociais e comportamentais que passam necessariamente pela descarbonização da sociedade e de todas as atividades. Os países devem reduzir as suas emissões de dióxido de carbono numa lógica de controlo entre estados e esse controlo é feito de 5 em 5 anos. O texto do Acordo prevê o desenvolvimento de fluxos financeiros e tecnológicos que permitam a baixa emissão de gases com efeito de estufa. Os 195 países empenhados no Acordo de Paris têm todos, incluindo os Estados Unidos, uma contribuição definida a nível nacional. O Acordo de Paris é um Acordo feito à imagem dos Estados Unidos e existe porque houve um consenso internacional liderado pela anterior administração americana e pela China, os dois principais poluidores no mundo. E é por aí que começamos a esmiuçar as incontáveis declarações de protesto contra o anúncio de Donald Trump, pela anterior Administração americana. Obama, grande responsável por existir o Acordo de Paris, reagiu de imediato à saída do mesmo, dizendo que os EUA estão sem liderança e que pertencem agora a um pequeno grupo de nações que rejeitam um mundo melhor.
Obama falou sobre o Acordo que foi assinado para proteger o mundo que vamos deixar aos nossos filhos tendo dito que foi uma ambição audaz, que encorajou outras nações a marcarem uma posição e o que tornou possível a liderança dos EUA foi a inovação privada e o investimento público em indústrias crescentes que criaram empregos.
No entanto, este anúncio de Trump pode ter tido um efeito contrário ao que ele esperaria. O Presidente foi capaz de colocar o mundo contra si e põe em risco a sua já tão fraca reputação. Gigantes empresariais e líderes carismáticos, países, estados, cidades, políticos, cantores e atores vieram já a público defender o Acordo de Paris e reafirmar o seu comprometimento com o mesmo.
Para além disso, e segundo o próprio Acordo, a Administração Americana só pode apresentar um pedido formal ao Secretário geral das Nações Unidas para sair em Novembro de 2019, ou seja, 3 anos depois da entrada em vigor, sendo que a saída só se torna efetiva decorrido um ano sobre a data da receção da notificação de denúncia, ou seja, os Estados Unidos só sairão formalmente em novembro de 2020. Exatamente o mês e o ano em que os americanos vão a votos.
REAÇÕES POLÍTICAS. RENEGOCIAR? NÃO!
A Comissão Europeia fala num dia triste mas prometeu liderança e o cumprimento do Acordo. Os líderes da França, Alemanha e Itália disseram numa declaração conjunta que lamentam a decisão dos Estados Unidos de se retirar, mas afirmam um compromisso mais forte de implementar as suas medidas e encorajam todos os parceiros a acelerar as suas ações para o combate às alterações climáticas, referindo também que o Acordo não pode ser renegociado, “já que é um instrumento vital para o nosso planeta, para as sociedades e economia”.
E esse é o sentimento geral, de que é praticamente impossível a renegociaçao visto ter sido feito à medida dos EUA e rever um Acordo que é negociado a 195 países é destruir anos de negociações
Os Estados Unidos juntam-se assim à Síria e à Nicarágua não fazendo parte deste chamamento global. A Síria porque está numa guerra civil há 6 anos, a Nicarágua porque considera que o Acordo não é suficientemente ambicioso.
Europeus e chineses estão em clima de aliança contra a poluição e o Primeiro Ministro chinês, Li Keqiang, disse que a China vai assumir as suas responsabilidades nas alterações climáticas e prepara-se para assumir a liderança. Num encontro com Merkel referiu, sobre a saída dos EUA, “as promessas devem ser cumpridas e as ações devem ser firmes. É um apelo mundial para lidarmos com as alterações climáticas. Não é algo que a China tenha inventado”.
Imediatamente a seguir ao anúncio, a coligação Cimate Mayors (formada por 83 Mayors que representam 40 milhões de americanos) reagiu dizendo que “adotarão, honrarão e implementarão os objetivos do Acordo de Paris.
O presidente francês Emmanuel Macron num discurso sem precedentes inverteu e reutilizou as palavras de Trump:”Onde quer que vivamos, quem quer que seja, todos partilhamos a mesma responsabilidade. Vamos tornar o nosso planeta grande novamente”.
Miguel Arias Cañete, Comissário Europeu para a Energia e Ação Climática disse também numa declaração que a decisão de Trump de deixar o Acordo de Paris é “um dia triste para a comunidade global”, e que “lamenta profundamente a decisão unilateral”.
O Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, referiu que a retirada dos EUA do Acordo climático foi uma grande decepção e que é crucial que os Estados Unidos continuem a liderar as questões ambientais.
O primeiro-ministro das Fiji, Voreqe Bainimarama, que em novembro presidirá à Conferência das Partes que se realizará na Alemanha, disse que está profundamente desapontado com a decisão e que é extremamente grave para nações como a sua no Pacífico e para cidades costeiras dos EUA, como Nova Iorque e Miami, que são tão vulneráveis às mudanças climáticas.
O Japão, Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul também lamentaram a atitude dos EUA e reiteraram seu compromisso de implementar o Acordo. No México, o ex-presidente Vicente Fox criticou a atitude de Trump, dizendo no Twitter: “Ele está a declarar guerra ao próprio planeta”.
Já este sábado, o presidente francês e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, disseram que seus países cooperariam na luta contra as alterações climáticas.
Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou também que as evidências são reais e que é preciso olhar para as alterações climáticas, referindo que não é por haver uma pessoa no mundo que se considera importantíssima que o mundo vai negar a realidade. Não será uma posição isolada, por muito importante que essa pessoa seja, que vai derrubar o Acordo de Paris. António Costa junta-se também ao coro de vozes que lamentam que Donald Trump não entenda a importância de preservar o planeta.
Por fim, o secretariado das Nações Unidas emitiu uma declaração a lastimar o anúncio e a registar a intenção anunciada de renegociação do Acordo dizendo que está pronta a dialogar com os Estados Unidos quanto às implicações deste anúncio e referindo que este é um Acordo histórico assinado por 195 Partes e ratificado por 146 países e que não pode ser renegociado com base no pedido de uma única Parte. Reafirmou a credibilidade do Acordo e o apoio crescente de empresas, investidores, cidades, estados, regiões e cidadãos.
O SETOR PRIVADO EM DEFESA DO ACORDO DE PARIS
O setor privado saiu em defesa do Acordo de Paris. Muitas empresas americanas têm questionado as políticas de Trump e em maio deste ano 23 empresas (entre as quais a Apple, o Facebook, a Google, a Microsoft, a HP, a Mars e a Intel), publicaram vários anúncios nos principais jornais de Nova Iorque contrapondo os previsíveis argumentos que Trump viria a apresentar na sua decisão de saída do Acordo.
Bob Iger da Disney e Elon Musk da Tesla abandonaram o conselho consultivo de Trump como forma de protesto, imediatamente a seguir à declaração do presidente americano e muitas são as empresas que mostraram já o seu desagrado em relação a esta decisão (General Electric, Chevron ou a General Motors, Apple, o Facebook, a Microsoft e o Google).
A Exxon que historicamente foi contra o combate às alterações climáticas já veio a público defender a manutenção dos Estados Unidos no Acordo de Paris. Aliás, no mesmo dia que Trump rejeitava Paris a assembleia geral de acionistas da empresa votava favoravelmente uma resolução contra a sua Administração, forçando-a a desenvolver um quadro de análise sobre os riscos que a sua atividade detém em relação ao processo em curso de descarbonização.
A Nike fez um comunicado emocional à sua equipa dizendo que existem para servir todos os atletas, logo, todos na terra. Mark Parker, presidente da empresa disse que temos a responsabilidade de manter um ambiente onde todos os atletas podem treinar, viver e prosperar. “Se não houver um sítio para correr por causa da poluição, se não tivermos água limpa para beber, se não existir um lugar para jogar, então não pode existir o desporto”. A Nike reafirmou o seu comprometimento com os objetivos de longo prazo para ajudar a combater as alterações climáticas, reconhecendo que estas são uma séria ameaça global. Em nome de todos os atletas, a Nike permanece firme nos compromissos e com a audaz ambição de conter os perigosos efeitos das alterações climáticas. E diz que não estão sozinhos nesta luta dando o exemplo de associações empresariais e de líderes como o We Mean Business, o RE100 e o American Business Act on Climate Pledge, juntamente com muitas das maiores e mais inovadoras empresas do mundo: “Acreditamos que cada atleta deixa uma pegada. Todos os negócios deixam uma pegada. O nosso objetivo é, e sempre será, que a pegada da Nike seja uma que mude o mundo para sempre.”
TODOS NO MESMO “COMBOIO”
Arnold Schwarzenegger colocou um vídeo nas redes sociais com uma mensagem para Donald Trump dizendo que “nenhum homem pode voltar atrás no tempo, apenas eu” numa alusão à sua personagem em Exterminador Implacável e dizendo que nenhum homem pode destruir o progresso ou parar a revolução energética.
O milionário e antigo Mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, prometeu angariar 15 milhões de dólares (13,4 milhões de euros) para apoiar os esforços das Nações Unidas na luta contra as alterações climáticas. O governador da Califórnia, Jerry Brown, disse que passaria a falar com a China em vez de conversar com Washington. Os estados da Califórnia, Nova Iorque e Washington que representam cerca de um quinto da população e do PIB total dos EUA anunciaram uma “aliança climática” para continuar a respeitar os limites previstos no Acordo.
Rajendra Pachauri que presidiu ao Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas e recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2007, juntamente com Al Gore, ainda antes do anúncio de Trump, disse que se os EUA não quiserem fazer parte do resto do mundo e se pensam que vivem noutro planeta devemos deixa-los acreditar nisso porque se não tiverem de participar numa decisão talvez seja tudo mais fácil. Os que ficam devem avançar e seguir em frente. Pachauri diz que o Acordo de Paris dá-nos a oportunidade de fazer alguma coisa, é um começo, não é um fim e que o mundo tem de perceber isso: “Abre uma porta, e o mundo agora tem de entrar rapidamente por essa porta e agir. Se não o fizermos, o Acordo de Paris tornar-se-á inútil, não ajudará ninguém.”
Cantores, atores e inúmeras personalidades vieram também a público demonstrar o quanto este Acordo é fundamental não só pelo ambiente mas também por motivos económicos, sociais e de segurança.
E nós o que podemos fazer? Podemos ser crentes como Tim Walberg, congressista republicano, que acredita nas alterações climáticas e, até, que o ser humano tem alguma responsabilidade no assunto mas, no entanto, defende que Deus vai resolver a questão se as alterações climáticas forem realmente um problema. Ou então podemos juntar-nos ao resto do mundo, incluindo o Vaticano (que considerou esta saída uma enorme bofetada na cara) em defesa de um Acordo que levou anos a negociar e que é o garante de que as alterações climáticas vão ser combatidas, e que o comboio da sustentabilidade não vai parar em nenhuma estação mesmo que o maior furacão se abata sobre nós.
Nota: O Dia Mundial do Ambiente celebra-se todos os anos a 5 de junho e tem como principal objetivo alertar a população e os governos para uma maior preservação e proteção do ambiente. 5 de junho marca o dia em que teve inicio a primeira Conferência sobre o Ambiente Humano das Nações Unidas, que aconteceu em 1972, em Estocolmo.
Maria João Ramos